A migração dos negócios para os bairros

A mudança no perfil dos consumidores e o alto custo dos aluguéis “empurram" empresários para longe da região central

 

Nos meandros da dinâmica urbana, as cidades e seus comerciantes estão sempre se reinventando para atender às demandas em constante evolução de seus moradores/consumidores. Rondonópolis, conhecida por seu cenário comercial vibrante e sua infraestrutura financeira consolidada, não foge à regra e está atualmente vivenciando um fenômeno que está reconfigurando a geografia econômica da cidade: o movimento de migração do comércio varejista, de grandes atacadistas e algumas agências bancárias para os bairros mais populosos, o que vem ganhando destaque nos últimos tempos, trazendo consigo mudanças significativas na vida cotidiana dos cidadãos e nas perspectivas dos empresários locais.

O alto valor do aluguel e a mudança no perfil de consumo intensificaram esse processo durante e após a pandemia. De acordo com a Presidente da ACIR (Associação Comercial e Industrial de Rondonópolis), Marchiane Fritzen, isso era previsto, principalmente após a pandemia, que provocou o aumento das vendas e transações financeiras por aplicativos online, contribuindo para o afastamento do consumidor das lojas físicas e agências bancárias, diminuindo drasticamente o faturamento dos comerciantes. Segundo Marchiane, essa mudança de comportamento do consumidor, que passou a buscar mais comodidade e economia de tempo, tornou inviável a permanência de alguns comércios no centro devido ao alto custo dos aluguéis e à menor receita. “O que era viável pagar um aluguel de 15 mil reais no centro deixou de ser, já que o comerciante aluga um imóvel do mesmo tamanho em um bairro e paga menos da metade desse valor. Tenho relato de comerciante que pagava 15 mil de aluguel em um imóvel aqui no centro e hoje paga 4 mil em um bairro”, afirma.

“O impacto dessa migração já tem causado a diminuição do valor do metro quadrado no quadrilátero central e deve reduzir ainda mais com o esvaziamento que vem ocorrendo. Hoje já se encontra imóveis a 1.5 a 1.8 mil o metro quadrado, que antes era cotado acima de 2.5 mil”, completa. ‘A ACIR tem se preocupado com a falta de um projeto de revitalização do centro comercial histórico tradicional e vejo que temos que chamar os comerciantes para se discutir e pensar um projeto que não seja imposto de cima para baixo e feito dentro de gabinete, que seja de consenso e possa fortalecer os comércios que lá estão e atrair o consumidor. Já estamos trabalhando forte para a realização de uma decoração natalina de impacto na área central para atrairmos os consumidores no Natal e contribuir com os comerciantes”, conclui.

Tratamento desigual

Valter Neles Ferreira Farias, comerciante varejista de materiais de construção com mais de 40 anos de experiência no varejo, ex-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Rondonópolis e diretor da Fecomércio-MT, afirma que, segundo pesquisas realizadas pela Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção e Associação Brasileira de Supermercados, as pessoas não estão mais indo muito longe de suas casas para fazerem compras e é categórico: “Prova disso é o que temos observado de um tempo para cá, comerciantes locais tradicionais e também grandes redes indo para os bairros para estarem mais próximos dos consumidores.”

Neles chama a atenção para outro fator: “Nem todas as empresas que estão fechando as portas no centro da cidade estão indo para os bairros. Algumas estão encerrando suas atividades, e isso é muito triste, porque não são apenas portas fechando, são sonhos de uma vida inteira interrompidos pela alta carga de despesas e pela falta de incentivos por parte do poder público para essas empresas, que não conseguem mais concorrer com as grandes redes atraídas para o município através de incentivos fiscais e outros benefícios. É preciso um cuidado maior com os comerciantes tradicionais locais, dando a eles também incentivos, como por exemplo, dez anos sem pagamento de alvará e IPTU, da mesma forma como alguns benefícios são oferecidos às grandes redes”, finaliza.

Cooperativismo presente

 Na onda desse movimento de descentralização, percebe-se também que bancos cooperativos estão indo na mesma direção. Bancos como SICOOB e SICREDI já estão em alguns bairros mais populosos da cidade, buscando essa proximidade e oferecendo comodidade a seus clientes.

Para o presidente do Conselho de Administração do SICOOB Buritis, Ernando Cabral Machado, esse movimento de migração do comércio começou há uns 10 anos, talvez devido à expansão geográfica da cidade, motivada por loteamentos cada vez mais distantes do centro. Com o povoamento desses bairros, as empresas de varejo, principalmente, entenderam que estando mais perto do consumidor seria uma maneira de ganhar mercado. Além disso, a dificuldade de deslocamento por vários motivos, como custo, tempo, transporte público e estacionamento, leva as pessoas a buscarem suprir suas necessidades no próprio bairro onde residem.

“A motivação por trás da decisão de levar uma agência bancária do Sicoob para alguns bairros mais populosos foi justamente para ficar mais próximo da comunidade. Por ser cooperativa, um de seus princípios é estar inserido na comunidade, levando justiça financeira e prosperidade para as pessoas de cada comunidade, bem como facilitando o movimento do comércio local”, afirma.

“O SICOOB Buritis nasceu em Rondonópolis. Sua fundação foi motivada pela necessidade de ter uma cooperativa para atender o comércio varejista, e o foco sempre foi a pequena e média empresa”, finaliza.

Apostando no bairro

 Anny Cristiny Messias Lima sempre gostou de trabalhos manuais artesanais e papelaria criativa. Quando precisava de materiais para seus trabalhos, tinha que se deslocar até o centro da cidade para adquiri-los. Há quatro anos, resolveu, junto com seu esposo Robson Silva Amaral, montar um negócio próprio justamente nesse segmento na região do bairro onde residem. A escolha teve como motivação a necessidade dos moradores do entorno e o menor custo para a implantação do negócio. Já que possuem um imóvel próprio, economizariam no aluguel, não teriam custo com deslocamento e, pelo fato de estarem muito próximos de casa, se revezariam na administração e gerenciamento do próprio negócio. A aposta deu tão certo que hoje estão muito felizes com a escolha e já pensam na ampliação do negócio. "Em nenhum momento arrependemos da escolha que fizemos. Pelo contrário, estamos muito contentes com o resultado alcançado e, principalmente, com a valorização que sentimos por parte dos nossos clientes. Criamos um vínculo com as pessoas, principalmente durante a pandemia. Com o comércio sem poder abrir as portas e as pessoas presas em casa procurando algo para fazer, entregávamos os materiais em domicílio, tomando todo o cuidado, é claro", relata Robson.


Consumidores contentes

"Facilitou muito pra gente. Antes, tudo era no centro. Agora está bem prático, bem fácil e a gente economiza o gasto para ir lá e o tempo. Tudo que a gente precisa tem pertinho. Banco eu só mexo no aplicativo e raramente vou à agência no centro", diz Marinalva Gomes de Oliveira, 48, diarista, que acrescenta: "Acho que os comerciantes que têm loja no centro e estão vindo para os bairros querem mais clientes. Estão ajudando a desenvolver os bairros, gerando emprego. Não acredito que prejudique os comércios menores. O sol nasceu para todos", finaliza.

 Laiane Gaspar Bitencourt, 26, moradora da grande Vila Operária, se mostra contente com a economia de encontrar o que precisa na região onde mora e com a maior facilidade para estacionar o veículo. "Aqui no bairro temos de tudo: farmácia, mercado, lotérica, clínica dentária, lojas de eletrodomésticos e muitos outros. Até para sair à noite temos algumas opções. Raramente vou ao centro", afirma. Seu esposo, Joseildo Bento da Paz, 38, caminhoneiro, concorda com sua esposa e acrescenta: "Viajo trabalhando com mais tranquilidade, sabendo que minha esposa tem mais facilidade no dia a dia, tendo quase tudo que precisa mais perto de casa".


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Redação GNMT