Decisão inédita no agronegócio acende alerta sobre gestão, prazos e crise climática no campo
Uma decisão inédita da Justiça brasileira chamou a atenção do setor do agronegócio nesta semana. A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul decretou, por unanimidade, a falência de três produtores rurais que estavam em recuperação judicial desde dezembro de 2024.
O motivo: um atraso de apenas 11 dias na entrega do plano de recuperação, o que levou à aplicação rigorosa da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/2005).
A decisão atinge os produtores Renato Felipe Pinheiro, Paulo Alexandre Moraes e Sara Maria França Martins, que acumulavam dívidas de R$ 58,9 milhões. O pedido de falência foi feito pelo Sicredi, com base no descumprimento do artigo 53 da legislação, que determina prazo improrrogável de 60 dias para apresentação do plano após o deferimento da recuperação.
O documento deveria ter sido protocolado até 14 de fevereiro de 2025, mas foi entregue somente em 25 de fevereiro.
Em seu voto, o relator desembargador Alexandre Raslan afirmou que “o descumprimento desse prazo conduz à convolação da recuperação judicial em falência”, destacando que a lei busca proteger os credores e evitar a eternização dos processos sem solução concreta.
Crise climática e queda no preço da soja agravaram a situação
Segundo a defesa, o atraso ocorreu devido à necessidade de laudos técnicos e incertezas processuais. Os produtores, que iniciaram as atividades em 2019 com o arrendamento de 200 hectares em Rio Verde de Mato Grosso, enfrentam dificuldades desde então.
A expansão para o cultivo de soja, milho safrinha e pecuária foi afetada por fatores econômicos e climáticos, incluindo a queda no preço da saca de soja, que chegou a cerca de R$ 100 em 2023, um dos menores valores dos últimos anos.
Além disso, os produtores relataram prejuízos com apreensão judicial de grãos e disputas com ex-arrendatários. A seca prolongada entre 2023 e 2024, agravada pelo El Niño, reduziu a produtividade e elevou os custos de produção, tornando a operação insustentável.
Falência como saída legal, mas não definitiva
Embora drástica, a decisão foi considerada necessária para resguardar os direitos dos credores. Com a decretação da falência, todos os bens dos produtores devem ser colocados à venda para quitação dos débitos.
Ainda cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), e os produtores tentam reverter a decisão para evitar a liquidação total do patrimônio.
O caso acende um alerta no setor rural: mesmo pedidos de recuperação judicial, criados para preservar a atividade produtiva e proteger empregos, estão sujeitos a interpretações rigorosas da lei.
Em um cenário de instabilidade climática e financeira, a perda de prazos — ainda que mínima — pode resultar em consequências irreversíveis.