O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) confirmou nesta quarta (23) o teor da mensagem enviada ao empresário Meyer Nigri que levou a Polícia Federal a intimar o ex-presidente para explicar a difusão de fake news sobre o processo eleitoral brasileiro.
"Eu mandei para o Meyer, qual o problema? O [ministro do Supremo Tribunal Federal e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Luís Roberto] Barroso tinha falado no exterior [sobre a derrota da proposta do voto impresso na Câmara, em 2021], eu sempre fui um defensor do voto impresso", disse.
Bolsonaro conversou rapidamente com a Folha durante um voo de Brasília a São Paulo, que decolou da capital às 6h24 e durou 1h30min. Ele, que estava acompanhado de um segurança, apenas respondeu a uma pergunta e não permitiu ser gravado.
Segundo a CNN Brasil e a Globonews, o ex-presidente foi internado no hospital Vila Nova Star, em São Paulo, nesta quarta para fazer exames de rotina.
Bolsonaro afirmou que não participava do grupo dos empresários para o qual, segundo a PF, Nigri repassou as mensagens em que criticava ministros do Supremo e do TSE, acusando-os de interferência no processo eleitoral por terem se manifestado de forma contrária à reintrodução do voto impresso.
A polícia vai ouvi-lo especificamente pela difusão do conteúdo associado a fake news, objeto de investigação no Supremo Tribunal Federal, para o qual pediu a Nigri "repasse ao máximo". "Eu vou lá explicar", disse, sobre o depoimento marcado para o dia 31.
O termo se encontra na transcrição de uma das mensagens encontradas no celular do empresário, dono da construtora Tecnisa e um dos primeiros apoiadores de Bolsonaro.
"O ministro Barroso faz peregrinação no exterior sobre o atual processo eleitoral brasileiro, como sendo algo seguro e confiável. O pior, mente sobre o que se tentou aprovar em 2021: o veto impresso ao lado da urna eletrônica, quando ele se reuniu com lideranças partidárias e o Voto Impresso foi derrotado. Isso chama-se INTERFERENCIA".
"Todo esse desserviço à Democracia dos 3 ministros do TSE STF faz somente aumentar a desconfiança de fraudes preparadas por ocasião das eleições. O Datafolha infla os números de Lula para dar respaldo ao TSE por ocasião do anúncio do resultado eleitoral REPASSE AO MÁXIMO", diz o texto.
A proposta de emenda constitucional do voto impresso foi derrotada na Câmara no dia 10 de agosto de 2021, em um dos pontos altos da tensão institucional promovida por Bolsonaro em seu mandato, encerrado após perder a reeleição para Lula (PT) no ano passado.
Naquele dia, ele determinou o desvio de blindados da Marinha que participavam de um exercício militar anual em Formosa (GO) para desfilar na Esplanada dos Ministérios, como forma de intimidar os deputados. Não deu certo e virou meme, dado o fumacê promovido pelas antigas viaturas blindadas em marcha.
Depois, ele chegou a ameaçar processar Barroso e o ministro Alexandre de Moraes (STF), relator do inquérito das fake news no STF que o ex-presidente vê como adversário, no Senado, mas nada ocorreu.
O voto impresso foi a primeira das batalhas perdidas pelo ex-presidente em sua tentativa de desacreditar as urnas eletrônicas e o sistema de voto brasileiro. Ele ainda envolveu as Forças Armadas na confecção de um relatório que não atestou a falibilidade do sistema e denunciou sem evidências a suposta falta de segurança das urnas em lives.
Mais grave, o fez num discurso a embaixadores estrangeiros em Brasília, ato gerou um processo no TSE que culminou com sua inelegibilidade até 2030, tirando Bolsonaro de três eleições, inclusive a nacional de 2026.
O ex-presidente se recusou a falar com a Folha sobre outros temas, como a questão das joias sauditas que foram revendidas por seu então ajudante de ordens, Mauro Cid, que está preso. Bolsonaro está acossado por várias frentes, e integrantes do PL já trabalham com a hipótese de ele ser alvo direto da PF, talvez até com pedido de prisão.
No voo, ele passou a maior parte do tempo dormindo. Quando o avião pousou, alguns apoiadores se aproximaram para fazer selfies e houve um ensaio tímido de aplausos e gritos de "Mito", a marca registrada de sua campanha fulminante ao poder em 2018.
Mas foi algo pálido perto das recepções com multidões em aeroportos daquela época. Algumas pessoas o vaiaram, e uma passageira gritou "Vacinas salvam vidas", em referência à campanha negacionista do político quando estava na Presidência em relação à Covid-19, além de questionar se ele estava "fugindo da polícia".
Usando sua prerrogativa, ele deixou a aeronave na primeira leva de passageiros e foi embora em um carro que o esperava na pista.