O Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT) manteve a condenação da Energisa, concessionária dos serviços púbicos de distribuição de energia em Mato Grosso, por irregularidades relativas ao meio ambiente de trabalho.
Conforme a decisão, a conduta irregular da empresa contribuiu para a morte de nove empregados terceirizados entre os anos de 2010 e 2014. As vítimas trabalhavam para as empresas terceirizadas Líder, Enecol, Edicon, Quântica, Nhambiquaras e Clarear.
Ao analisar recurso ordinário interposto pela concessionária, a Primeira Turma de Julgamento decidiu manter 34 das 39 obrigações de fazer e não fazer que foram pleiteadas pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) e estabelecidas na sentença de primeiro grau, a fim de compelir a Energisa a garantir a saúde e a segurança de seus empregados e dos trabalhadores de empresas contratadas.
A decisão também manteve a condenação da concessionária por danos morais coletivos, mas reduziu o valor anteriormente estabelecido. A indenização a ser paga passou de R$ 5 milhões para R$ 1 milhão.
Ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), a ação civil pública aponta diversas irregularidades relacionadas à jornada de trabalho, com empregados trabalhando sem descanso semanal, sem intervalos para refeição (intervalo intrajornada), sem usufruir de período mínimo de descanso entre duas jornadas de trabalho (intervalo interjornada) e habitualmente fazendo mais de duas horas extras por dia.
O descumprimento dessas normas, explica o MPT, representa perigo para a segurança no ambiente de trabalho, uma vez que o empregado “submetido continuamente ao excesso de jornada está mais propenso a um processo de fadiga crônica, que pode levar à instalação de doenças e ainda provocar um incremento nos acidentes de trabalho, afetando, também, a sua convivência familiar e social”.
“Não é demais lembrar que em 02.08.2010 ocorreu a morte do Sr. Valmir de Lima e em 27.08.2011 a do Sr. Domingos Matias, ambos empregados da empresa Líder. A par disso, fica muito evidente a incúria da Ré [Energisa], que caso tomasse as medidas necessárias para apurar as causas dos acidentes, penalizasse e fiscalizasse a empresa contratada de forma adequada, teria conseguido evitar tantos acidentes com uma mesma prestadora de serviços", afirmou o relator, desembargador Paulo Barrionuevo.
"Sem dúvida, os nove acidentes narrados demonstram uma violação intensa, habitual e voluntária às normas regulamentadoras básicas para a prestação da atividade econômica principal da Ré, que é a geração e a distribuição da energia".
O acórdão confirmou o deferimento da tutela de urgência para que as obrigações de não fazer surtam efeitos imediatos. As demais obrigações deverão ser cumpridas no prazo de 90 dias após a notificação.
No recurso contra a sentença de primeiro grau, a Energisa chegou a usar, como tese principal, o argumento de que os empregados acidentados possuíam vínculo com as empresas prestadoras de serviço, não com ela. Todavia, no cenário de terceirização, dentro das hipóteses em que o serviço é prestado nas dependências da tomadora de serviço ou nos locais por ela indicados, fica caracterizada a responsabilidade solidária por eventuais danos sofridos pelos prestadores de serviço.
“(...) Ela [Energisa] é solidariamente responsável pelos danos causados aos terceiros que lhe prestam serviço. A análise acurada dos relatórios de acidente [da Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso – SRT/MT] demonstrou que as violações verificadas dizem respeito aos trabalhadores terceirizados da Ré, tanto que diferentes auditores do trabalho alertaram para a omissão da tomadora de serviço [Energisa] na manutenção da saúde e segurança do trabalho dos empregados das empresas contratadas, mantendo uma estatística mascarada de acidentes de trabalho, como se não fosse responsável pelas fatalidades experimentadas no quadro dos terceirizados”, alerta o desembargador.
No entanto, o TRT absolveu a Energisa do cumprimento de cinco obrigações, entre elas a de fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) e de proteção coletiva (EPCs). Entendeu-se que é dever das empresas contratadas fornecer os equipamentos de proteção aos trabalhadores, mas cabe à Energisa fiscalizar o adequado uso dos EPIs e paralisar as atividades quando constatar ausência, insuficiência ou deficiência dos equipamentos. “Consigno, de todo modo, que a obrigação de fiscalizar a concessão e o uso dos equipamentos permanecem, de modo que quando não atendidos pelas contratadas, o serviço deverá ser imediatamente suspenso”, observa o relator.
Entenda o caso
Antes de ajuizar a ação, em 2017, o MPT instaurou dois Inquéritos Civis (nº 000480.2013.23.000/0 e 000597.2015.23.000/6) para apuração de irregularidades trabalhistas envolvendo a Energisa. A instrução do primeiro Inquérito Civil revelou um padrão de comportamento omissivo assumido por ela na promoção de um ambiente de trabalho sadio aos trabalhadores das empresas terceirizadas envolvidas nas atividades de distribuição e captação de energia elétrica.
A investigação do MPT ganhou mais robustez com o recebimento de autos de infração e relatórios de inspeção elaborados pela SRT/MT, confirmando o desrespeito a inúmeras normas de saúde e segurança do trabalho no desempenho de sua atividade principal. Na ocasião de uma das fiscalizações, após a requisição de inúmeros documentos e de entrevista com trabalhadores, o auditor fiscal do Trabalho responsável constatou que eletricistas ficavam submetidos a riscos de queda e choques elétricos, tanto pela falta de adoção das metodologias corretas e de supervisor responsável pela execução das atividades da equipe como pela má utilização e insuficiência dos EPIs e EPCs.
Já em 2017, após tentativas frustradas de firmar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a empresa, o MPT requisitou a apresentação dos arquivos de controle e registro de jornada dos últimos dois meses (janeiro e fevereiro daquele ano) dos empregados. A análise dos documentos constatou violações referentes ao descanso semanal remunerado (um dos trabalhadores laborou do dia 02.01.2017 ao dia 31.01.2017 sem nenhuma folga). Em relação ao período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho, o MPT também encontrou irregularidades. No relatório, é possível notar que o intervalo interjornada de alguns empregados foi repetidamente violado (um dos trabalhadores usufruiu de intervalo inferior a 11 horas consecutivas por 13 dias), assim como o intervalo intrajornada.