O alerta que Rondonópolis envia ao Brasil
A cada ano, a Exposul de Rondonópolis (MT) era sinônimo de alegria, tradição e encontro da comunidade,um evento popular aguardado por famílias e comerciantes.
Porém, a 51ª edição fugiu desse roteiro e, ao invés de festa, deixou um gosto amargo marcado por críticas intensas, inclusive de uma artista convidada. O principal motivo? Os preços praticados durante o evento, que afastaram o público e acirraram o descontentamento.
Para entender a raiz do problema, é essencial ouvir quem esteve na linha de frente tentando trabalhar e servir o público. A comerciante Kauana Maria, em sua rede social (Instagram), desabafou de forma contundente:
"Eu queria explicar algumas coisas para vocês que eu acho que a maioria não sabe. Lá a gente pega a bebida direto do pessoal que organizou o evento. A gente não compra bebida de fora, não leva bebida de casa, não pode nada. É para vocês entenderem? Para você pegar uma caixa térmica, você aluga deles — é R$ 150,00 cada.
Para colocar bebida no gelo, você compra o gelo deles: R$ 30,00 cada saco. E para cada caixa, no mínimo dois sacos.
A gente não compra cerveja no mercado e leva, não. É tudo deles. E os valores são eles que passam. Não é a gente que escolhe. A bebida, eles passam e passam os valores que são, para o brasileiro, absurdos.
E funciona assim: eles repassam para a gente a R$ 11,25 a cerveja Original, R$ 9,25 a Brahma, R$ 5,75 o guaraná e R$ 4,25 a água.
Já a tabela imposta ao público era R$ 13,00 a Original, R$ 10,00 a Brahma, R$ 7,00 o guaraná e R$ 6,00 a água e mais 10% (dez por cento), ou seja, o comerciante ganhava apenas R$ 1,75 por bebida. Quando a imprensa repercutiu os valores, a organização resolveu baixar R$ 1,00, mas esse desconto ficou nas costas dos comerciantes, que tiveram que arcar com a diferença. Passando para R$ 0,75 (setenta e cinco centavos).
O relato expôs três problemas centrais: monopólio na venda de bebidas, tabelamento de preços com lucro pré-definido e ausência total de liberdade para que os comerciantes definissem valores justos, considerando seus custos com locação e operação.
O resultado foi uma onda de reclamações em toda a cidade, público reduzido e prejuízo para quem acreditou no evento. Nesse cenário, não se pode falar em lei da oferta e procura, pois não houve concorrência real.
Vale lembrar que a Exposul também recebe recursos públicos. Neste ano, a Prefeitura de Rondonópolis destinou R$ 1 milhão, enquanto o Governo do Estado contribuiu com R$ 2,5 milhões. Segundo alguns, o montante serviria para cobrir os dias de portões abertos, entrada gratuita para todos.
Porém, ao dividir os R$ 3,5 milhões pelos dias da festa, chega-se a quase R$ 600 mil por dia.
Em anos anteriores, a estratégia era diferente: havia dias gratuitos e outros pagos, com valores acessíveis. As famílias conseguiam levar as crianças para aproveitar brinquedos e atrações. Isso garantia fluxo constante de visitantes e bons resultados para os comerciantes. Desta vez, manter preços elevados para comidas e bebidas, a organização afastou parte do público.
O que poderia ser um exemplo de sucesso acabou deixando uma marca negativa para o Sindicato Rural, tradicionalmente respeitado na cidade. Mais do que uma crítica local, o episódio serve de alerta para outros eventos, em um momento no qual o Brasil se prepara para sediar a COP30, evento de repercussão mundial. Já são comuns relatos de preocupação quanto a preços abusivos de hospedagem, alimentação e serviços. Que a experiência de Rondonópolis sirva de exemplo: práticas predatórias e a falta de sensibilidade com o público podem transformar um evento bem-intencionado em um fracasso de audiência e de imagem.
O episódio da 51ª Exposul nos ensina, de maneira dolorosa, que o sucesso de uma festa popular depende não apenas de grandes investimentos ou atrações de renome, mas sim do respeito ao público e aos parceiros envolvidos.
O equilíbrio entre tradição, acesso democrático e a sustentabilidade dos comerciantes locais é o que sustenta o verdadeiro espírito de qualquer evento comunitário. Que essa lição não se perca quando o Brasil estiver novamente sob os holofotes do mundo, a hora de corrigir os rumos é agora, antes que erros similares se repitam em escala ainda maior.