O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira que, quando houver atraso no pagamento de um financiamento imobiliário, os bancos e outras instituições financeiras podem tomar, sem decisão judicial, aquele imóvel que está sendo financiado, caso ele tenha sido colocado como garantia. A decisão foi baseada na lei que criou a alienação fiduciária.
A decisão foi tomada por maioria de votos. Oito ministros votaram de forma favorável à manutenção da regra atual, e dois foram contra. A discussão envolve uma lei de 1997 que criou a alienação fiduciária, sistema no qual o próprio imóvel que está sendo comprado é apresentado como garantia.
Essa lei prevê que em caso de não pagamento a instituição credora pode realizar uma execução extrajudicial e retomar o imóvel. O procedimento é feito por meio de um cartório e não passa pela Justiça.
O relator, ministro Luiz Fux, considerou a lei constitucional e foi seguido pelos ministros Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso.
— Eu entendo que essa previsão legal diminui o custo do crédito, o que considero muito importante, e minimiza a demanda pelo Poder Judiciário, já sobrecarregado — afirmou Barroso.
Edson Fachin apresentou divergência, sendo acompanhado por Cármen Lúcia.
— Continuo a entender que, diante da ponderação entre a proteção do agente financeiro pelos riscos assumidos e a preservação dos direitos fundamentais do devedor, especialmente quando se trata do direito fundamental social à moradia, deve assegurar todos os meios para garantir o melhor cenário protetivo do cidadão e sua dignidade como um mínimo existencial — avaliou.
No caso que motivou o julgamento, um homem questionou a alienação de seu imóvel realizada pela Caixa Econômica Federal, alegando que não houve direito à ampla defesa, ao contraditório. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), e houve recurso para o STF, que foi negado pelo ministros.
A Corte estabeleceu uma tese, que tem repercussão geral, ou seja, terá que ser seguida nos demais casos semelhantes em todo o país.
De acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), referentes a agosto, a alienação fiduciária representa 99% do financiamento bancário destinado à aquisição de imóveis, e havia 7,8 milhões de operações ativas garantidas por esse modelo.
No decorrer do processo, a Febraban também havia apresentado um estudo da LCA Consultoria que apontava uma taxa de 1,7% de inadimplência em contratos fechados por alienação fiduciária.
Nesta quinta, o ministro Nunes Marques disse que a regra dá segurança aos contratos e ressaltou que o devedor pode recorrer à Justiça se considerar que há uma irregularidade.
— Essa solução legislativa impulsionou o mercado imobiliário e deu segurança aos contratos. De resto, se o devedor verificar alguma irregularidade no procedimento, está livre para recorrer ao Poder Judiciário.
Comemoração da aprovação em primeiro turno da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. No cartaz, "Reforma do Povo". — Foto: Lula Marques/ Agência Brasil
Reforma foi aprovada em dois turnos nas votações que ocorreram na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que o devedor não pode ter o "ônus da judicialização" e também defendeu a proteção do direito à moradia.
No início do julgamento, na quarta-feira, Fux concordou com os argumentos de que o modelo atual contribuiu para a redução dos custos do setor:
— A exigência de judicialização da execução dos contratos de mútuos com alienação fiduciária de imóveis iria de encontro aos avanços e aprimoramentos no arcabouço legal do mercado de crédito imobiliário, os quais tiveram significativa contribuição para o crescimento do setor e redução dos riscos e custos — avaliou o relator.
Participação de instituições
Instituições como o Banco Central do Brasil (BC), a Febraban e a Defensoria Pública da União (DPU) participaram do julgamento como "amicus curiae" (amigos da corte) e apresentaram argumentos.
O advogado Gustavo César Mourão, que falou em nome da Febraban, afirmou que o sistema provocou uma "revolução" no mercado de crédito imobiliário e ressaltou que somente em 5% dos casos de inadimplência a execução extrajudicial é necessária.
— Nos outros 95% dos processos que são iniciados, há de fato a solução da inadimplência pela purgação da mora e pela definitiva aquisição de imóvel pelo tomador — destacou.
Já o defensor público federal Gustavo Zortéa da Silva considerou que há uma violação do contraditório.
— Quero primeiro mencionar a violação ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal. No procedimento da lei não há espaço para apresentar razões que possam questionar os valores exigidos pelo credor ou para descaracterizar a mora.
'Segurança jurídica'
Repercutindo a decisão, o advogado Olivar Vitale, sócio do VBD Advogados, afirmou que o entendimento privilegiou a segurança jurídica:
— O STF prestigiou a segurança jurídica. Fica assim preservado o crédito imobiliário no Brasil, possibilitando ao cidadão acesso à moradia e a tão esperada diminuição do déficit habitacional no país.
Para Ana Carolina Osório, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/DF, o Judiciário pode ser acionado caso algum dos requisitos estabelecidos na lei não sejam cumpridos.
— A lei estabelece uma série de requisitos que precisam ser cumpridos, sob pena de nulidade do procedimento de execução do contrato. Nesse sentido, a lei não padece de inconstitucionalidade, uma vez que o Poder Judiciário poderá ser acionado caso os requisitos legais envolvidos na execução do contrato não sejam atendidos.