 
                                    Cadáveres foram retirados da mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, onde ocorreram os confrontos mais intensos entre policiais e traficantes. Moradores vivem cenas de desespero e silêncio na Penha.
O Rio de Janeiro amanheceu nesta quarta-feira (29) diante de uma das cenas mais chocantes de sua história recente. Sessenta corpos foram levados por moradores até a Praça São Lucas, no Complexo da Penha, Zona Norte da capital, após uma madrugada marcada por buscas na mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia — área onde ocorreram os confrontos mais violentos da megaoperação policial iniciada na terça-feira (28).
Com a nova contagem, sobe para 124 o número de mortos, consolidando a ação como a mais letal da história da segurança pública fluminense.
No local, o silêncio predominava. Muitos moradores se aproximavam na tentativa de reconhecer parentes e vizinhos entre os corpos, alinhados no chão da praça. Pessoas usando luvas cortavam partes das roupas das vítimas para facilitar a identificação. É esse grupo que vem contabilizando os mortos.
Foto:Fabiano Rocha / Agência O Globo
O número pode crescer ainda mais. Seis corpos foram deixados também nesta manhã no Hospital Estadual Getúlio Vargas, unidade que concentrou o atendimento aos feridos durante a operação.
Por volta das 10h, equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) chegaram à praça, provocando correria e medo entre os moradores. Simultaneamente, um novo rabecão do Corpo de Bombeiros chegou para recolher os cadáveres.
Os primeiros corpos começaram a ser reunidos ainda durante a madrugada, por volta das 3h. Transportados em caçambas de caminhonetes, eles eram retirados da mata pelos próprios moradores, que se revezavam na tarefa. Às 7h30, novos corpos continuavam a chegar ao local, formando uma fila que se estendia sob os olhares de centenas de pessoas.
Cadê o meu filho? — gritou uma mulher, enquanto os lençóis eram levantados em busca de identificação.
Em meio ao desespero, moradores rezaram um Pai Nosso, e famílias se ajoelharam ao redor dos mortos. Uma mãe, ao reconhecer o filho, desabafou:
— Como pode destruir tantas famílias, tantas vidas, e ficar por isso mesmo?
O ativista Raull Santiago, que passou a madrugada na região, relatou ter encontrado doze corpos na mata que liga o Complexo do Alemão ao da Penha.
— Não dormi ainda. Amanheci nesse caos. Estou com nojo. É uma tragédia sem nome, disse em vídeo publicado nas redes sociais.
Uma mulher desmaiou ao reconhecer o genro entre os mortos. Familiares relataram que ela entrou em estado de choque e precisou ser levada ao hospital.
— Ninguém merece passar por isso. Não é só sobre a perda, é sobre a violência que enfrentamos todos os dias, disse uma parente.
A operação
De acordo com o governo do estado, 60 pessoas morreram oficialmente durante a operação, incluindo quatro policiais. A Secretaria da Polícia Militar informou que investiga se os corpos levados pelos moradores estão incluídos nessa contagem. Caso contrário, o total de vítimas pode ser ainda maior.
Moradores afirmam que há mais mortos no alto do morro, o que amplia a apreensão e o questionamento sobre o real tamanho da tragédia. O secretário da PM, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, afirmou ao portal g1 que a corporação vai apurar a origem dos corpos e as circunstâncias das mortes.
Enquanto isso, a Praça São Lucas se transforma em símbolo de luto e revolta — um retrato da violência que insiste em se repetir nas favelas do Rio.