Otmar de Oliveira
Otmar de Oliveira
Sobrecarga e Exaustão

Exaustão física e emocional se torna rotina para os profissionais da saúde

Filas do lado de fora, pessoas sentadas nas calçadas ou até mesmo no chão da recepção das unidades públicas e privadas de saúde, e o crescente número de profissionais afastados por infecção da covid-19 resultam na sobrecarga e exaustão das equipes que prestam os atendimentos. Em Cuiabá e Várzea Grande, médicos chegam a fazer consultas coletivas. Ainda assim, ao fim do dia, o esgotamento físico e emocional é inevitável.

 

Médica da Unidade Básica de Saúde (UBS) João Bosco Pinheiro, em Cuiabá, Jéssica Dutra relata que a rotina, que já não era fácil antes da pandemia, se tornou ainda mais exaustiva nos últimos dias, quando as unidades básicas se tornarão porta aberta para atender a população. Conta que os pacientes ficam angustiados, preocupados e se dirigem ao pronto atendimento, às vezes, no primeiro sintoma, sem saber realmente o que está acontecendo e exigem teste de covid e atestado. Acrescenta que tudo isso acontece ao mesmo tempo que há uma limitação de profissionais, pois a maioria na unidade onde trabalha foi contaminada. “A pressão é grande. Eu, por exemplo, que tenho bebê, e tenho funcionária que me ajuda quando estou trabalhando, fico com medo de levar o vírus para casa e fazer outras famílias sofrerem. A maioria dos profissionais de saúde se sente culpada quando uma familiar próximo pega covid”.

 

Jéssica frisa que o cansaço da equipe é extremo e a impaciência do cidadão chega a ser desesperadora. Todos querem ser bem atendidos e de forma ágil. Salienta que é difícil conciliar todos os desejos dos pacientes à realidade atual. “Esquecem que também somos seres humanos, não podemos ir ao banheiro que já reclamam, fazem escândalo, filmam. Parar para almoçar ou algo do tipo é um crime”.

 

A médica destaca que o desrespeito é voltado não só para com a equipe médica, como também recepcionistas, técnicos e enfermeiros, que muitas vezes são agredidos verbalmente e ameaçados de agressão física. “Já chorei muitas vezes. Nós entendemos o lado deles, o quão difícil e desesperador é ter sintomas de covid, pois muitas pessoas morreram por isso. Mas calma, paciência e educação. É o mínimo que todo profissional necessita”.

 

Atuando na mesma unidade há 8 anos, a médica Juliana Martins conta que é comum ter que parar um atendimento para conter os ânimos da população, que do lado de fora do consultório reclama e xinga os atendentes e enfermeiras. Ela explica que há dias que até para se alimentar é difícil. “A gente sacrifica horário de almoço para poder atender ao máximo de pessoas possível, tentando evitar a aglomeração e a espera. Mas nem isso é suficiente para a população. Lógico que não é geral, os que fazem tumulto são casos isolados, mas que desestabilizam toda a equipe”.

 

Paralelo a isso, há os colegas de trabalho que estão testando positivo para a covid19, resultando no desfalque da equipe e sobrecarregando ainda mais os que continuam em atendimento. São em média 70 atendimentos diários, de crianças, gestantes, idosos e adultos que entram no consultório por ordem de chegada. “É um cenário de guerra. Há os que estão com quadro clínico pior e que passamos na frente e os demais não entendem. Já começam a xingar, a reclamar. E isso ocorre todos os dias”.

 

O resultado de tanto trabalho reflete na mente e corpo e Juliana, que é mãe de duas crianças de 1 e 4 anos, e quando chega em casa ainda precisa dar atenção aos filhos. “Estamos padecendo, mas continuamos na labuta, porque não há alternativa”.

 

Rotina estressante

Se tem uma equipe que aprendeu a lidar com o estresse e sobrecarga de trabalho causados pelas doenças virais nos últimos dois anos é a que atua no box de emergência da UPA Ipase, em Várzea Grande. Composta por uma enfermeira, 3 técnicas de enfermagem e um médico, a equipe diz estar acostumada com a pressão do dia a dia mas, ainda assim, a exaustão é algo que se tornou rotina.

 

Trabalhando há 3 anos na UPA Ipase, a enfermeira Rosemeire Pires, 39, atua no box de emergência há 2 anos e 4 meses, tratando exclusivamente pacientes com covid19. Relata que já viveu dias tensos no local. A superlotação já tratada como algo natural pela enfermeira já, que segundo ela, a unidade sempre está com a sua capacidade de atendimento extrapolando o limite. “Os dias só não são considerados mais pesados porque já temos uma carga de conhecimento adquirida nos piores momentos da covid. Conseguimos dar agilidade aos atendimentos”.

 

Mesmo assim, os pacientes não compreendem o atual cenário da saúde e acabam descontando a ansiedade nos profissionais da saúde.

 

A técnica em enfermagem Tânia Cabral, 36, também está na unidade há 3 anos e atua no box de emergência desde o início da pandemia. Afirma que trabalhar com o público está cada vez mais cansativo, já que trabalha em dobro diante do afastamento de colegas com covid-19. A carga horária, que é de 12h por 36h, acabou se tornando de 24h. “A necessidade existe e temos que suprir e a população não quer saber como”.

 

Também mãe de dois filhos, ela conta que tem que saber balancear a vida profissional e familiar. Quase todos os dias chega em casa com a “cabeça a mil” e ainda tem que se preparar para o turno como mãe e dona de casa. “A vontade é de tomar um banho, deitar e esquecer tudo que passei durante o dia. Mas não posso me dar a esse luxo. E tenho que me conter para não descontar o meu estresse em casa, porque a família não tem nada a ver com o que passamos aqui dentro”.

 

Médico Arthur Oliveira Souza, 30, atua na UPA Ipase e em um hospital privado da Capital. Ressalta que a situação de tensão ocorre em todos os lugares, seja no Sistema Único de Saúde (SUS) ou nas unidades privadas. Conta que nos últimos meses tem que se desdobrar para atender a todos e para isso chega a fazer consultas coletivas. “A rotina é bem estressante, é uma sobrecarga que existe em todos os hospitais do mundo no momento. Então, não temos para onde fugir. Temos que ficar e ajudar a amenizar o impacto que essa doença tem causado na humanidade”.

 

Souza diz que o esgotamento físico e mental o acompanha nos últimos anos, porém, hoje ele já consegue lidar melhor com o atual cenário. “Quando começou a covid me senti muito limitado, vi muita gente morrendo e a gente dando o máximo que podia. Isso adoeceu mentalmente muitos colegas”.

 

O médico reconhece que a maioria dos pacientes colabora e entende a demora no atendimento, mas sempre há os que fazem questão de causar intrigas e fazer ameaças, verbais ou físicas. Segundo ele, o que falta na população é compreensão e enxergar que todos que estão dentro de uma unidade médica, estão ali para trabalhar. “De vigilantes, a atendentes, passando pelos profissionais da enfermagem até chegar aos médicos, todos nós somos humanos, temos sentimentos. A pandemia veio como uma prova de fogo para todos e estamos sentindo isso na pele e vamos sentir pelo resto da vida. Porque ela deixou marcas eternas”.














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Redação GNMT