Julgada por torturar aluno em treinamento, Ledur diz que Maurício "gritava e dava chiliques"

Na audiência de instrução realizada nessa quinta-feira (1º), na 11ª Vara Criminal, a tenente Izadora Ledur relatou que o ex-aluno do Corpo de Bombeiros Maurício Júnior dos Santos tinha dificuldade em realizar todas as atividades propostas pelos instrutores e afirmou que era um hábito dele gritar e dar “chiliques” nessas situações.

Maurício acusa Ledur de ter praticado o crime de tortura contra ele em um treinamento na Lagoa Trevisan, em 2015. É a segunda denúncia do tipo contra a militar, que também foi acusada de ser a responsável pela morte do ex-aluno Rodrigo Claro, em 2016, crime que foi considerado prescrito pela Justiça.

Ao juiz Moacir Rogério Tortato, que conduziu a audiência, Ledur disse que durante o treinamento na Lagoa Trevisan, onde teria ocorrido o episódio de tortura, Maurício não teria demonstrado o comportamento esperado de um bombeiro.

Após 40m nadando ele disse que estava sentindo câimbras. Ledur relatou que quando foi até ele, que já estava em uma boia, ele gritava que não queria continuar, que não queria morrer. Narrou que ele era uma “pessoa nervosa”.

A tenente negou que ele tenha se afogado ou apresentado qualquer sinal de exaustão física, então foi natural propor que ele desse continuidade ao exercício. Ledur propôs que ele a rebocasse, isto é, a arrastasse com a boia pelo restante do percurso. A ideia, segundo Ledur, era mostrar que o desconforto que ele estava sentindo não era motivo para parar a atividade.

Ledur assegura que não aplicou as “sessões de afogamento” conhecidas como caldo. Ela pondera que até poderia ter feito isso, já que é um recurso previsto nos manuais de treinamento, mas o depoimento de Maurício, que disse que não houve contato físico entre os dois dentro da água, deixa claro que isso não pode ter acontecido.

Ao magistrado, Ledur explicou que o caldo é uma técnica usada para que os alunos não entrem em pânico em momentos em que a pessoa a ser resgatada “gruda” no resgatista e os dois acabam afundando. A ideia é tornar a prática mais próxima da realidade.

Ledur negou que Maurício tenha se afogado e muito menos ficado inconsciente durante o treinamento e destacou que se isso tivesse acontecido teria constado no prontuário médico da unidade de saúde para onde ele foi levado.

Ao contrário, conforme Ledur, os registros apontam que ele não apresentou tosse ou espuma na boca, que seriam os sintomas principais de afogamento. Ele relatou dor de cabeça e disse que vomitou. A tenente destacou, ainda, que não foi solicitado nenhum exame de raio-x, que seria necessário em caso de afogamento.

Ledur ainda afirmou que a medicação oferecida a Maurício foi para aliviar dores e diminuir a pressão arterial. Em casos de afogamento, ela pontuou, as medicações indicadas são outras.

Ledur ainda destacou que Maurício revelou em depoimento à Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) que faz uso de medicação para hipertensão arterial. Ocorre que ao se inscrever no concurso do Corpo de Bombeiros, ele negou que tivesse qualquer condição que o incapacitasse para a atuação militar e o edital apontava a pressão alta como uma dessas doenças.

Conforme Ledur, apesar de ter tido pouco contato com Maurício, ela sabia que ele tinha dificuldades em todos os tipos de treinamentos, porque os instrutores conversavam sobre isso. Ela alega que ele apresentou comportamento semelhante nas atividades de salvamento em altura, combate a incêndio, mergulho e em exercícios mais simples também.

Ledur disse que ele fez as atividades propostas no treinamento que ela ministrava e que ele foi aprovado com média final 8, considerada alta. Conforme a tenente, “quando ele queria, ele fazia”. Contudo, afirmou que ele tinha um medo excessivo que o atrapalhava nos treinamentos.

Ledur negou que perseguisse Maurício e pontuou que ele deu versões diferentes em situações diferentes quando perguntado sobre os motivos para pedir para sair do curso. Na DHPP, ele disse que desistiu por conta de uma outra instrutora. Em juízo, disse que o tenente Teodoro, comandante do pelotão, teria dito que ele morreria se seguisse no curso, o que Maurício viu como ameaça. Para os colegas do pelotão, ele disse que precisava cuidar da saúde. Para o Teodoro, ele tentou pedir baixa outras vezes e dizia não ter se adaptado às regras da vida militar.

Ledur avalia que Maurício não tinha “aptidão, saúde ou vontade” para ser bombeiro, que entrava em pânico em atividades simples, precisava de apoio o tempo todo e omitiu condição de saúde.

A ex-instrutora negou que tenha agido com violência contra Maurício, voltou a citar depoimento dele em que negou que tenha havido contato físico entre os dois e disse que não xingou o ex-aluno, mas usou “terminologias do meio militar” que podem ser interpretadas como ofensas por quem é de fora.

Ledur contou que era uma instrutora rígida, que exigia dos alunos. E que existem instrutores dentro do Corpo de Bombeiros que fingem que ensinam, que dão notas mínimas para que todos os alunos passem e afirmou que é comum que alunos reprovados pelos instrutores sejam aprovados por interferência da coordenação do curso.

Conforme Ledur, não é todo bombeiro que tem capacidade para salvar alguém. Por fim, ela analisa que Maurício tinha capacidade, mas não tinha controle emocional.

Denúncia de tortura

De acordo com a denúncia, assinada pelo promotor Paulo Henrique Amaral Motta, quando as aulas de atividades aquáticas do 15° Curso de Formação de Soldados do Corpo de Bombeiros tiveram início, Ledur era instrutora.

Apesar de apresentar bom condicionamento físico e ter sido aprovado em todas as fases do concurso, Maurício demonstrou dificuldades na execução das atividades aquáticas, o que era visível a todos os alunos e instrutores.

"Por conta disso, depreende-se do feito, que a vítima já se encontrava pressionada e temerosa, vez que a imputada (Ledur) era conhecida por utilizar métodos reprováveis para 'castigar' alguns alunos que estavam sob sua guarda", diz trecho da denúncia.

Durante um dos dias de treinamento, realizado na Lagoa Trevisan, em Cuiabá, após a execução dos exercícios preliminares, os alunos formaram uma fila e entraram na água sem corda de apoio ou colete salva-vidas. Em seguida, após percorrer cerca de 40 metros, a vítima começou a sentir câimbras, sendo auxiliada pelos colegas. Ocorre que, já no meio do percurso, a denunciada determinou que os demais alunos seguissem com a travessia, deixando Maurício para trás.

"A partir daí, como forma de aplicar castigo pessoal, a denunciada passou a torturar física e psicologicamente a vítima, quando, além de proferir palavras ofensivas, utilizando a corda da boia ecológica iniciou uma sessão de afogamentos, submergindo-a por diversas vezes", diz trecho de denúncia.

Para o promotor, "a autoria do crime de tortura encontra-se robustamente demonstrada, por força do contido nos documentos acima mencionados".


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Redação GNMT