Das águas que invadiram cidades às mãos que resgataram vidas, os gaúchos mostram que, mesmo diante da perda, é possível renascer. Helena Vitória é símbolo de um tempo em que sobreviver foi o maior ato de coragem.
Foi só depois que o bebê saiu de casa que a respiração aliviou. A mãe, Caroline, teve que ser resgatada de helicóptero, horas antes do parto da pequena Helena. Hoje, um ano depois da tragédia que alagou parte do Rio Grande do Sul, a bebê parece alheia ao caos que antecedeu seu nascimento. Tranquila, serena, mas também símbolo de força. Seu segundo nome, Vitória, carrega o peso — e a leveza — da sobrevivência.
Perto dali, em São Leopoldo, João — o “Velho do Rio” — usou a sabedoria acumulada em 70 anos de vida para ajudar nos resgates. Ele perdeu tudo. “Só não perdi a vida. Isso que é o mais importante, né? Consegui ajudar muitas pessoas. Isso me conforta muito”, diz. Agora, dedica-se a reconstruir o que a água levou de dentro de casa.
Há um ano, o país se emocionava com imagens do único corredor humanitário que ligava a capital isolada ao resto do estado. Por ali, passavam caminhões com doações vindas de todos os cantos. Do alto de um prédio, Rodrigo, ilhado por 30 dias, via o movimento de barcos e o volume crescente da água. “Era como assistir um torneio diário entre o rio e a cidade.”
Porto Alegre sofreu um colapso no sistema de proteção contra enchentes, construído ao longo de três décadas. A água não invadiu por cima dos muros, mas pelas frestas das comportas e pelas tubulações que deveriam escoar — e não trazer — a enchente de volta. Em maio de 2024, tudo falhou. Caminhões foram destruídos, diques sobrecarregados, sacos de areia mal colocados.
O governo federal aportou R$ 6,5 bilhões para a recuperação e adaptação do estado. Mas os especialistas alertam: o enfrentamento de eventos climáticos extremos exige mais que dinheiro. Precisa de planejamento urbano, preservação ambiental e infraestrutura adaptativa. “É preciso proteger margens de rios, ampliar cinturões verdes e integrar natureza e cidade para resistir aos impactos extremos”, apontam pesquisadores.
No Museu de Arte do Rio Grande do Sul, sete meses fechado após a enchente, a tragédia virou arte e memória. Uma exposição ensina o que a água destruiu, mas também o que nos ensina: “Para que a gente lembre e não esqueça. E, com isso, possa construir um futuro mais seguro.”
Helena Vitória é só uma entre tantas histórias de renascimento. Mas é também o retrato de um povo que, entre perdas e reconstruções, entendeu o verdadeiro significado da palavra resiliência.