Há mais de um mês em trégua com o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desencadeou uma ofensiva para se reaproximar de dois setores que foram fundamentais para sua eleição em 2018.
A avaliação de aliados no Palácio do Planalto é que o presidente precisa reforçar laços com ruralistas e, principalmente, evangélicos. Ambos os grupos são considerados essenciais por terem condições de mobilizar a base eleitoral durante a campanha de 2022.
Auxiliares de Bolsonaro estão preocupados com as tentativas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de abrir pontos de interlocução com os evangélicos. Isso em um cenário de insatisfação de líderes religiosos com a demora da confirmação de André Mendonça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
Líderes de segmentos evangélicos se insurgiram contra articulações para apresentar alternativa ao nome de Mendonça. O pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro, por exemplo, divulgou nesta segunda (11) um vídeo com ataques ao ministro Ciro Nogueira, da Casa Civil.
Os ruralistas, por sua vez, têm ensaiado críticas reservadas ao governo, principalmente pela falta de avanço de projetos caros ao setor no Congresso.
Os acenos aos dois grupos também são uma forma de Bolsonaro mobilizar apoiadores ao reafirmar compromissos com pautas conservadoras --como a oposição ao aborto e a demarcação de novas terras indígenas--, em um momento em que ele suspendeu a retórica de raiz golpista empregada até as manifestações do 7 de Setembro.
Na semana passada, Bolsonaro compareceu a um simpósio com centenas de evangélicos em Brasília.
De acordo com líderes religiosos ouvidos pela reportagem, a presença de Bolsonaro foi uma forma de prestigiar pastores que não estão nas cúpulas das igrejas e que, portanto, não têm acesso livre ao presidente. Tanto que, ao final do evento, Bolsonaro ficou por mais de uma hora no local tirando fotos com os participantes.
Já estão sendo planejadas novas incursões de Bolsonaro nesse segmento. No próximo dia 27, ele deve participar da Convenção da Assembleia de Deus no Brasil em Manaus, um dos mais importantes eventos da denominação.
Embora seja católico, Bolsonaro é alvo de críticas na cúpula da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
O presidente da entidade, dom Walmor Oliveira de Azevedo, divulgou vídeo às vésperas dos atos bolsonaristas do 7 de Setembro pedindo ao brasileiro que "não se deixe convencer por quem agride os Poderes Legislativo e Judiciário".
Bolsonaro deve ir nesta terça (12) ao Santuário de Aparecida (SP), em meio às homenagens à padroeira do Brasil.
Nos eventos com os evangélicos, Bolsonaro tem se esforçado para se apresentar como o único candidato que representa valores conservadores.
"A maioria esmagadora do povo brasileiro são pessoas do bem. Respeitemos as minorias, mas as leis são para que eles se mantenham na linha, e não nós --que já estamos na linha", disse Bolsonaro no simpósio.
"Quantas vezes vocês já me viram abrindo um discurso [dizendo]? 'Temos um presidente que acredita em Deus; que respeita os militares e a Constituição; que defende a família tradicional; e que deve lealdade ao seu povo'".
A frase que se tornou bordão de Bolsonaro encerrou, ao lado de uma foto sua, a revista do simpósio, distribuída aos participantes no final do encontro.
A maior parte da publicação também foi dedicada aos ministros Milton Ribeiro (Educação), Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
Ao lado das fotos deles, estavam listadas as principais ações da pasta e uma espécie de mensagem.
A aliança com os evangélicos é a principal razão para que Bolsonaro mantenha a indicação de André Mendonça para a vaga no STF.
O nome do ex-advogado-geral da União "terrivelmente evangélico" enfrenta resistência do presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e está há meses sem andar na casa.
Diante de rumores de que a indicação poderia ser retirada, líderes evangélicas foram cobrar o presidente. Saíram do Planalto falando que Bolsonaro reforça o apoio a Mendonça e que não há "plano B".
Quanto aos ruralistas, uma parcela do agronegócio se afastou de Bolsonaro diante das falas antidemocráticas do mandatário e do constante clima de confronto com as instituições.
Uma ala do setor ligada à exportação também teme prejuízos econômicos com a péssima imagem ambiental do governo Bolsonaro no exterior.
Há ainda insatisfação de alguns congressistas ligados ao agronegócio com matérias que não têm avançado no Legislativo, como a regularização fundiária, as alterações nas normas de licenciamento ambiental e a proposta que muda regras de demarcação de terras indígenas.
No entanto, alguns fatores seguram o apoio da maior parte do agronegócio a Bolsonaro. Um deles é a presença de Tereza Cristina à frente do Ministério da Agricultura, que tem mantido boa interlocução com o setor.
Outro é a percepção de líderes de que o discurso de Bolsonaro em defesa de propriedades rurais e contra demarcações tem ampla aceitação entre produtores e outras pessoas que vivem do agro.
Na última semana, Bolsonaro tomou café da manhã com dezenas de congressistas da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Também participaram os ministros Tereza Cristina, Flávia Arruda (Governo), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Segurança Institucional).
No encontro, Bolsonaro defendeu a criação de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas e sugeriu que, caso seja reeleito, poderá indicar ministros ao STF que estejam alinhados ao setor nessas e em outras pautas.
Ainda de olho nos ruralistas, o governo publicou decreto, nesta sexta-feira (8), com mudanças nas regras de produção, utilização, importação e exportação de agrotóxico no país. A medida deve agilizar o registro de novos produtos, o que agrada o setor.
O prazo para registrar defensivos agrícolas era de 120 dias, mas não era obedecido. Na prática, o processo acabava demorando até uma década.
Principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Lula fez acenos ao setor em coletiva de imprensa realizada na sexta, em Brasília.
"Na questão da nossa querida Amazônia, eu acho que nós temos que mostrar primeiro que tem uma parte do agronegócio brasileiro que tem muita responsabilidade e que sabe que a manutenção dos seus negócios de exportação dos seus produtos depende dele ter um compromisso com a preservação ambiental", declarou.
O movimento de reaproximação de Bolsonaro com evangélicos e ruralistas ocorre num momento em que o mandatário tenta se afastar da ala mais radical de seus seguidores.
Dias depois das manifestações de raiz golpista do 7 de Setembro, ele divulgou uma declaração com recuos aos ataques às instituições, em especial o STF.
Quando divulgou a carta, Bolsonaro foi cobrado pela militância mais radicalizada nas redes sociais.
Ministros e influenciadores bolsonaristas foram escalados para tentar apaziguar os ânimos dos que viram no armistício costurado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) um sinal de rendição à chamada velha política.
Augusto Heleno chegou a divulgar um vídeo nas redes sociais pedindo para que apoiadores confiassem no presidente.
O chefe do Executivo adotou um tom mais pragmático. A maior preocupação de auxiliares palacianos é com medidas econômicas que possam alavancar a popularidade do presidente. De acordo com o mais recente Datafolha, de setembro, Bolsonaro chegou a 53% de reprovação, pior índice desde o início de seu mandato.