Morre Bento 16, o primeiro papa a renunciar em quase 600 anos

Morreu hoje, aos 95 anos, o papa emérito Bento 16. Ele faleceu em um antigo convento dentro dos jardins do Vaticano, onde vivia desde 2013, longe dos holofotes.


5 pontos para entender quem foi Bento 16

Primeiro papa a renunciar em quase 600 anos de história da Igreja Católica.

Foi papa por apenas 8 anos.

Depois de sua decisão, em 2013, recebeu o título de papa emérito.

Seu pontificado ficou marcado pela forma como tratou casos de abuso sexual e o chamado escândalo Vatileaks.

Ao renunciar, alegou problemas de saúde, mas os reais motivos nunca ficaram claros.

Segundo nota do Vaticano, Bento 16 morreu às 9h34 (5h34 no horário de Brasília). O velório está marcado para 5 de janeiro e será presidido pelo papa Francisco, seu sucessor.

Na quarta-feira (28), Francisco disse que Bento 16 estava "muito doente" e pediu que a Igreja rezasse por ele. Mais tarde, o Vaticano afirmou em um comunicado que ele havia sofrido uma "piora" repentina de sua saúde e estava recebendo atenção médica constante.

No último vídeo dele, divulgado pelo Vaticano em agosto por ocasião da tradicional visita dos novos cardeais, Bento 16 apareceu magro e debilitado, com um aparelho auditivo, incapaz de falar.

Joseph Ratzinger nasceu na Alemanha no dia 16 de abril de 1927.

Carreira como teólogo

Joseph Ratzinger (à esquerda), então professor de teologia, com o cardeal Joseph Frings, em foto de janeiro de 1962 - Handout/Erzbistum Muenchen Und Freisign/AFP

Entrou para o seminário aos 12 anos.

Na adolescência, estudou grego e latim, e mais tarde se doutorou em teologia pela Universidade de Munique.

Foi professor de Teologia durante 25 anos na Alemanha, antes de ser nomeado arcebispo de Munique.

Em seguida virou o guardião do dogma da Igreja Católica durante outros 25 anos em Roma.

Foi escolhido papa em abril de 2005, aos 78 anos, para suceder João Paulo 2º (1920-2005), um dos pontífices mais populares da história.


Renúncia

Se não por seus inúmeros escritos, livros e discursos teológicos, produzidos antes e durante o seu pontificado, Ratzinger certamente entrou para a história como o papa da modernidade que renunciou - apenas outros quatro o fizeram antes dele.

O último foi Gregório 12, em 1415, mas em circunstâncias completamente diferentes, pois buscava acabar com um cisma na Igreja.

Já Bento 16 renunciou aos 85 anos, em um discurso em latim, no dia 11 de fevereiro de 2013, justificando que a idade avançada lhe tirava forças para poder governar.

No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor, seja do corpo, seja do ânimo, vigor que, nos últimos meses, em mim diminuiu, de modo tal a ter que reconhecer minha incapacidade de administrar bem o ministério a mim confiadoBento 16 em uma reunião com cardeais no Vaticano.

A decisão foi tomada após a viagem ao México e a Cuba, em março de 2012. Em entrevista ao jornalista Peter Seewald, no livro "O Último Testamento", Ratzinger disse que se comoveu com a fé do povo latino-americano, mas também foram dias em que experimentou os limites de sua resistência física. Na visita, ele chegou a cair e ferir a cabeça.

"Percebi que não seria mais capaz de enfrentar, no futuro, outros voos transoceânicos, pelo problema do fuso horário. Ficou claro que não conseguiria participar da Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, em 2013", explicou.

Contudo, outros papas idosos, em condições até piores, como Pio 12, Paulo 6º e João Paulo 2º, cogitaram renunciar, mas nunca o fizeram. Somando-se a isso o contexto anterior à renúncia, tumultuado do ponto de vista político, surgiram especulações sobre os verdadeiros motivos de Bento 16 para deixar o ministério petrino.

Vatileaks e casos de abuso

O chamado escândalo Vatileaks, no qual um mordomo roubou documentos do papa e o entregou a supostos algozes, demonstrou que era grande a hostilidade de membros da Cúria Romana a qualquer reforma na Igreja Católica.

Além disso, a corrupção sistêmica no Instituto de Obras Religiosas (IOR, conhecido como banco do Vaticano) e o sempre presente problema dos abusos sexuais praticados por membros da Igreja assombraram os últimos anos do seu papado.

No seu "Último Testamento", o papa alemão reconheceu que administrar não era o seu ponto forte. Mas procurou minimizar o peso desses problemas na sua decisão.

"As coisas tinham sido todas esclarecidas. Não é possível que alguém renuncie quando as coisas não estão no lugar", disse. "Ninguém tentou me chantagear. Eu não teria permitido. Graças a Deus, eu estava no estado de ânimo pacífico de quem tinha superado as dificuldades."

Em fevereiro deste ano, ele pediu perdão às vítimas de abusos sexuais por parte de sacerdotes da Igreja Católica Romana, após um relatório independente apontar negligência dele ao se defrontar com suspeitas envolvendo a arquidiocese que ele comandava.

Enquanto cardeal, ele foi arcebispo de Munique e Freising, na Alemanha, entre 1977 e 1982. Segundo o relatório publicado, o papa emérito se omitiu em quatro casos de abuso na divisão da igreja.

Grupos tradicionalistas e islamismo

De acordo com o padre e historiador italiano Roberto Regoli, autor do livro "Além da Crise da Igreja", "o papado de Bento 16 é significativo não só pela sua imprevisível conclusão —a renúncia com a criação do papado emérito—, mas também pelas questões que foram abertas por ele e ainda não concluídas", escreve.

Entre essas questões estão as difíceis relações com outras comunidades cristãs, pois Bento 16 abriu as portas para que cristãos de outras tradições migrassem ao catolicismo e deu mais espaço a grupos tradicionalistas, por exemplo.

E também com outras religiões, como o islamismo. O famoso discurso de Ratisbona marcou a linha do diálogo inter-religioso em seu pontificado.

Papa teólogo, Bento 16 procurou em seus oito anos de pontificado usar a razão para fazer um convite ao mundo que considera essencial: o de recuperar a sua fé.

"O verdadeiro problema neste nosso momento da história é que Deus desaparece do horizonte dos homens", declarou a Peter Seewald. "Com o apagar da luz proveniente de Deus, os efeitos destrutivos [dessa desorientação] se manifestam cada vez mais."

Condenou casamento homossexual

Em 2021, o papa emérito publicou um novo livro, batizado de "La vera Europa" (A Verdadeira Europa, em tradução livre), em que fez duras críticas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ratzinger escreveu que "o conceito de casamento homossexual está em contradição com todas as culturas da humanidade".

A postura difere da que seu sucessor adotou —Francisco já demonstrou apoio as leis civis que protegem a união entre pessoas do mesmo sexo. O líder da Igreja Católica, contudo, deixou claro que o matrimônio, um sacramento, é "só entre um homem e uma mulher".

Apesar das divergências, Francisco e Bento mantinham boa relação.

"A sua oração e sua presença discreta e encorajadora nos acompanham no caminho comum", disse o papa Francisco sobre o antecessor, em novembro de 2017.

"Sua obra e seu magistério continuam a ser uma herança viva e preciosa para a igreja. Continua a ser um mestre e um interlocutor amigo para todos os que exercitam o dom da razão para responder à vocação humana de buscar a verdade."



Você pode compartilhar esta noticia!

author

Redação GNMT